A família e a cor das conversas
Como se de uma conferência de imprensa se tratasse, o pai dirige-se aos filhos e conversa univocamente durante 20 minutos. O pai era Marcello Caetano, o último representante do Estado Novo. Os filhos eram todo o povo português, ouvintes silenciosos da figura máxima do estado, que, com capacidades orwelianas entrava dentro das casas dos cidadãos, através da pequena caixa quadrada, numa imagem a preto e branco.
A Rádio e “Telé-visão” Portuguesa ainda não tinha 13 anos quando foi para o ar o 1º programa de “Conversas em Família” - cujo objectivo genérico era uniformizar a opinião pública aplicando-lhe as algemas retóricas sobre o ideal a pensar e a moral útil aos problemas do país. Neste monólogo, assistimos a uma manobra eficaz de todos os estados com teor autoritário da época, embandeirar decisões prementes, arrefecer mentes tumultuosas, assustando-as com os perigos que vem do estrangeiro, uniformizar o sentimento de pátria, enfim, elucidar leigos manipuláveis da superioridade moral das figuras estatais. Apesar de não haver qualquer espécie de escrutínio ou moderação (visão anacrónica) era a forma de explicar ao país a política que se vivia e os caminhos a seguir, isto é, segundo a bússola do governo. Em todos os episódios existe um cunho ultra patriótico que se ofende de todos os sinais desviantes e que os pretende corrigir, de forma a que, “floresça o progresso” da causa lusitana.
A RTP fundada em 1956 teve um empenhado contributo de Marcello Caetano, que elaborou os estatutos e definiu os padrões a seguir “A televisão é um instrumento da acção benéfico ou maléfico consoante o critério que presidir à sua utilização. O governo espera que os dirigentes do novo serviço público saibam fazer deste instrumento um meio de elevação moral e cultural do povo português”. Eis um significativo acontecimento durante a Segunda República Portuguesa – uma porta que se abriu na casa dos portugueses, ou pelo menos dos que poderiam obter esta preciosa tecnologia. Claro que doutrinada, como tudo era na época, mas não menos assinalável a possibilidade do comum português que, em alguns casos nunca se ausentara da sua terra natal, poder assistir em directo ao que se passava no Mundo, dar corpo às imagens cismadas durante séculos, provenientes de tradição oral e de um certo obscurantismo hereditário.
“Conversas em Família” acompanhou os últimos anos do regime e apesar das suas intenções, não conseguiu conservar por mais anos no poder a sua figura maior. Como uma boa família que era, possuía no seu seio pares divergentes, o apelo da unidade tantas vezes transmitido não era mais possível. Marcello, sempre um excelente orador, perdeu a força e o último programa foi para o ar cerca de um mês antes da revolução de Abril. No dia 28 de Março de 1974, o presidente Marcello falou pela última vez para a família, com uma expressão mais densa e algo cansado com a restante família que não se queria educar “o egoísmo é a lepra da humanidade contemporânea”. Os tempos mudavam e o patriarca estava gasto, o preto e o branco, apesar de terem servido para vermos mais qualquer coisa, não se adequavam às cores da imaginação do povo.
Por: Dinis de Sousa Reis