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Alma do Diabo

Alma do Diabo

Impressões em mais de três linhas

26.02.23

A nova vida de Pedro Passos Coelho - O Providencial

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Para quem acha que Pedro Passos Coelho é um cidadão comum é porque nunca o viu a respirar.

Não disse isto, mas podia ter dito, Maria Henrique Espada fez uma reportagem importantíssima que nos revela o fim último do mito sebastianista. Ele está entre nós, o nosso desejado finalmente regressou para nos salvar!

O seu estatuto não merece contestação. A relevante reportagem fornece-nos provas vivas da supremacia da sua postura como ser humano e da sua integridade como político. Vejamos.

Pedro Passos Coelho não enriqueceu depois de sair da política, depois de sair injustamente do Governo, passou a receber menos na função de professor catedrático. E ainda para mais se atreveram a criticar este lugar que veio a ocupar, esses invejosos. Os alunos falam dele como sendo o melhor professor do ISCSP, prepara as aulas como ninguém, sendo o exemplo daquilo que um professor deve ser. Nunca assediou uma aluna, nem sequer olhou para um decote. Até o seu pensamento é puro, pois nunca interpretou com malícia os pedidos de uma ex-aluna para ter explicações nocturnas à disciplina de mestrado de Temas Aprofundados de Administração Pública. É um homem católico e comunga todos os domingos de manhã. Admitiu, com uma humildade tremenda, que tem como sonho, na velhice, escutar, todos os dias, a oração do terço directamente da Capelinha das Aparições em Fátima, via rádio. Só para se entender a pureza deste homem, casou virgem e a primeira vez que copulou, engravidou automaticamente a esposa. Eis uma prova cabal da capacidade decisiva que possui em todas as suas acções. Tão distinta personagem, não se pense que se revela distante do povo comum, uma vez, na secção de congelados de um supermercado em Massamá, parece ter dito o seguinte a uma empregada 

“Bom dia, quero 3 robalos escalados por favor”. O que impressionou foi, 1º cumprimentar uma simples empregada de supermercado e depois de realizar o pedido ainda pedir por favor, não se trata de um diálogo normal, tendo em conta o dignatário de que estamos a falar. Ainda sobre questões relacionadas com a sua simplicidade, parece que usa calças de ganga aos sábados que calham a número ímpar e que foi visto uma vez a ver um jogo de futebol no café e, pasmem-se, não disse um único palavrão durante os 90 minutos de jogo e, ao que disseram os presentes, bebeu duas imperiais acompanhadas por um pires de tremoços. Parece ainda que existe um dom associado a Pedro Passos Coelho, segundo relatos apurados pela jornalista, ao ter beijado o dedo anelar da mão direita de uma vizinha sua, há cerca de 5 anos, deu-lhe o dom da eternidade. A senhora ainda hoje é viva o que prova a veracidade do milagre. A instabilidade do país tem sido enorme desde a sua saída do governo e afirmam muito analistas políticos, completamente isentos, de que tanto o coronavirus, como a situação na Ucrânica, teriam sido evitados com a sua presença na liderança do governo português. As escolhas têem as suas consequências. A boa notícia que temos é esta: se Pedro Passos Coelho optar pela candidatura para as presidenciais em 2026, não vão haver sequer eleições, pois a unanimidade é tão grande que não se justifica gastarem-se milhões em eleições desnecessárias. Nos bastidores políticos isso já está a ser decidido. Assim, podemos falar de Pedro Passos Coelho como o nosso tão aguardado futuro Presidente da República, o nosso Rei desejado, o providencial! Amém.

 

Por: Filipe Fidalgo

Silêncio, Teolinda Gersão

25.02.23

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Com base na sua página oficial, Teolinda Gersão já conta com 14 prémios literários distribuídos a 9 das suas obras, talvez seja mesmo a autora portuguesa mais premiada. Dito isto, podemos afirmar que estamos a falar da “Meryl Streep portuguesa” no que respeita a distinções literárias. Esbarramos facilmente em elogios à obra, dissertações fervorosas, qualidades ímpares de originalidade, voz feminina e poética, simplicidade oral… (bocejo) tudo bons argumentos de prateleira que decoram na perfeição qualquer contracapa que se preze. O que não encontrei foram verdadeiras críticas à obra desta professora catedrática. Vamos então fazer o nosso trabalho.

“você devia escrever um romance, disse ele batendo com a porta, porque chegava ao limite da capacidade de controlar-se, já viu que desperdício, toda essa imaginação gastando-se, nesta conversa, certamente interessante, em pura perda?” Foi assim a reacção de Afonso aos desabafos de Lídia, isto é uma perífrase criminosa, podia simplesmente dizer CÁLA-TE! Estava o assunto arrumado, Lídia podia ter ficado incomodada, mas passava-lhe. (Lá se teve de escrever esta história e destruir tantas árvores)

Esta suposta história de amor engloba Lídia que se envolve com Afonso, médico (facto irrelevante), que é casado com Alcina. Lavínia, mãe de Lídia, surge como mote às reminiscências da… rrrrrrrr… (desculpem adormeci, onde íamos?)

Para quem apreciar floricultura, descrições repetitivas, letras de Pedro Abrunhosa, diálogos pueris e uma história de amor de alguidar, este livro O SILÊNCIO, tem cá tudo. 

Para começar, não se consegue entender a fixação por jardins e flores, sempre presentes em qualquer ambiente, por vezes torna-se uma experiência exasperante:

ao lado há um tufo de glicínias… não, não as glicínias ficam do outro lado

há vasos de begónias, de hortenses (e aqui deixo um espaço preenchível com todas as outras flores) e tudo isso é o jardim”

“o jardim variava, vestia-se de azul e de encarnado…passava de repente  de canteiros de fúcsias para ramos sem folhas… colhendo fúcsias… aposto que há um ramo de fúcsias sobre a mesa… são sempre rosas, Lavínia não tolerava fúcsias. Rosas são as suas flores favoritas” (Que proeza esta, dizer fúcsias por três vezes em dois parágrafos seguidos, isto é elevar a literatura portuguesa meus caros…)

Lavínia não está, não chegou ainda, talvez tenha ido comprar” (O quê? Fúcsias!?) “… flores. Lavínia ia sempre comprar flores das que não havia no jardim”

Então Herberto fica no quarto maior, ao fundo do corredor, que dá para o jardim e tem debaixo da janela um canteiro de malmequeres”

Bom, fiquemos por aqui, ainda só vamos na página 15!!! Apesar de melhorar um pouco, este ímpeto jardinístico é uma constante em qualquer espaço que é descrito. Teolinda quis revestir a história de apetrechos pretensiosos: as mulheres fumam “longas boquilhas pretas”, os homens fumam “cachimbos”, enquanto isso ouvem Vivaldi, as casas tem cortinados “shantung” ou  são “verde-escuros com anémonas brancas estampadas”, os sofás são de “damasco” e as cadeiras de “Luis XV”, os tapetes, ora são de arraiolos, ora são persas, (nem um tapete de feira, que falta de gosto!), as mesas são de “arte-nova”, as empregadas vestem aventais “brancos de organdi plissado”. (parece que a Teolinda leu catálogos de cozinha no momento em que escreveu este trecho) Outro aspecto de recurso abusivo tem que ver com a descrição dos ambientes onde  o discurso flui sempre para a mesma linha de elementos orientadores - MAR, ÁGUA, VENTO, PRAIA, JARDIM, FLORES - existe uma amálgama de elementos triviais, que, por sua vez se repetem durante todo o livro, recursos fáceis que se constroem em qualquer curso de principiantes de literatura, ora vamos lá ver…

Palavras nos seus ouvidos, mas longe, como o” (será mar? Vento? Horizonte?) “…vento

“Andar pela casa, ouvindo o vento, os movimentos do” (Será soalho? pó?) “vento” (ah agora surpreendeu-me professora Teolinda)

O silêncio do mar, as dunas frias, a praia” (molhada? vazia? escura?) “…deserta

Para a “pluma caprichosa” “as palavras, belíssimas, não são esbanjadas. Uma prosa densa e leve, sem nada a mais e sem nada a menos, parada no ponto exato”, para mim é uma prosa que, por vezes é apenas ininteligível, outras oca, onde abunda a verborreia e não se chega a nenhum raciocínio assinalável.

“nada poderia garantir que estava certo, para lá dessa certeza de estar vivo, não havia indicação possível do mundo exterior, era como caminhar por um areal infindável, uma praia deserta e lisa, contando unicamente com o impulso do seu corpo andando

“Os sonhos aconteciam, pois, era apenas questão de empurrar com força, até o sonho cair dentro da vida. Agora movia-se num espaço livre e solto, num tempo de existir

Por vezes a professora Teolinda cai na crítica social fácil, apoia-se em Lídia e partilha frustrações como a das sociedades arrumadas, sem liberdade ao sonho e as críticas femininas sobre os comportamentos brutos e autoritários do homem, todas as premissas estão ausentes de uma conclusão interessante, circulam apenas na gritaria habitual dos temas sem sair do lugar-comum.

Em 1981 a nossa "Meryl Streep da literatura” iniciava assim a sua carreira recheada de tantas medalhas (ora que inveja a minha!). Acredito que as outras obras que se seguiram tenham sido bem melhores, (o rasgo criativo manteve-se virgem com este livro) o SILÊNCIO que nos fica após esta leitura é como quem diz “Vamos falar noutra coisa…” Não será seguramente com SILÊNCIOS que a literatura nacional se acrescenta.

 

Por: Luiz Miguel Aragão

Antoine de Saint-Exupéry. Antes do voo.

25.02.23

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" E não é que não pense uma coisa muito diferente sobre a guerra, sobre a morte, sobre o sacrifício, sobre a França, mas falta-me um conceito orientador, uma linguagem clara. Penso por contradições. A minha verdade está reduzida a bocados e só os posso analisar um após o outro. Se ainda estiver vivo, vou esperar pela noite para reflectir. A noite bem-amada. À noite, a razão dorme, e as coisas são mais simples. As que são verdadeiramente importantes retomam a sua forma, sobrevivem às destruições das análises do dia. O homem junta os bocados e volta a ser uma árvore calma.

O dia é para as cenas domésticas, mas, à noite, aqueles que discutiram reencontram-se com o Amor. Porque o amor é maior do que o vendaval de palavras. E o homem que apoia os cotovelos na janela, sob as estrelas, sente-se de novo responsável pelos filhos que dormem, pelo pão do amanhã, pelo sono da esposa que ali descansa, tão frágil, delicada e passageira. O amor não se discute. Existe. Que venha a noite, para me mostrar alguma evidência que o amor merece! Que venha a noite, para eu pensar na civilização, no destino do homem, no prazer da amizade no meu país. Que venha a noite, para eu desejar servir alguma verdade imperiosa, embora talvez ainda inexprimível…

Neste momento, sinto-me exactamente igual ao cristão a quem a graça abandonou. É claro que representarei, honestamente, o meu papel ao lado de Dutertre, mas da mesma maneira que se guardam os ritos quando já não têm conteúdo e quando o deus já não está lá. Esperarei pela noite, se ainda puder estar vivo, para andar um pouco a pé pela estrada principal que atravessa a nossa aldeia, envolto na minha solidão bem-amada, a fim de conhecer a razão por que devo morrer.”

 

Saint-Exupéry, Antoine. Piloto de Guerra. Relógio d’Água Editores, 2015

 

Por: Celeste Sampaio

 

Antoine de Saint-Exupéry. Antes do voo.

24.02.23

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“Porque, acima de tudo, são fúteis, as missões que nos exigem. E cada dia ainda mais fúteis. Mais sangrentas e mais fúteis. Os que dão ordens não têm outro recurso, para se oporem ao desmoronar da montanha, a não o de lançarem os últimos trunfos na mesa.

Dutertre e eu somos esses trunfos e ficamos a ouvir o Comandante, que nos explica o programa da tarde. Manda-nos sobrevoar, a setecentos metro de altitude, o parque de tanques da região de Arrás, no regresso de um longo percurso de dez mil metros, no mesmo tom de voz com que nos diria:

- Sigam então pela segunda rua à direita até à esquina da primeira praça; há aí uma tabacaria onde me podem comprar fósforos…

- Muito bem, meu Comandante.

A missão não é nem mais nem menos útil. A linguagem que a transmite não é nem mais nem menos lírica.

Digo para comigo: «missão de sacrifício». Penso… penso muitas coisas. Vou esperar pela noite, se ainda estiver vivo, para reflectir. Mas vivo… Quando uma missão é fácil, de três volta um. Quando é um pouco mais «complicada», claro que é mais difícil regressar. E aqui, no gabinete do comandante, a morte não me parece nem augusta, nem majestosa, nem heroica, nem dilacerante. É apenas um sinal de desordem. Um efeito da desordem. O Grupo vai perder-nos, tal como se perdem bagagens na barafunda das correspondências dos caminhos-de-ferro."

 

Saint-Exupéry, Antoine. Piloto de Guerra. Relógio d’Água Editores, 2015

 

Por. Celeste Sampaio

O Amor ao que se pode consumir

05.02.23

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À pergunta de Ramin Jahanbegloo sobre a troca do desígnio marxista para a promessa californiana, vivida na Europa de leste, Steiner respondeu assim: “A Humanidade já não imagina o que é a vida desprovida de um ideal trágico. O marxismo, como o judaísmo, em relação ao qual representa um heresia, e como a cristandade, deu-lhe a honra de sugerir que o homem poderia ser diferente, melhor. A Califórnia responde ao homem que seja tal como é, que se divirta com os vídeos, as piscinas, as palmeiras, os McDonald’s, o sol. Porque não aproveitar aquilo que se pode consumir?” Iluminados que fomos pela chama de Deus, durante séculos, preservámos a crença no transcendente como morada última da existência - promovida sob a forma de alma. As dores, as dúvidas e o trilho encontraram uma razão. As várias máscaras utilizadas pela fé encobriram uma remota possibilidade na consciência humana “E se…”, arrefecida esta febre a moral prevalecia e o bem encontrava um corpo. Mesmo na era medieval, apesar de a religião não permitir a candeia alumiar as trevas, era o conforto através da crença, o homem encontrava nela uma salvação. Ora, a religião não foi suficiente para a efervescência da razão e das dúvidas lançadas por batalhões de filósofos. A máquina, e a consequente revolução do trabalho, fez acreditar noutros percursos. Nem a ferrugem a suprimiu aos encanto da sua sugestão. O homem sempre soube seguir o rasto da sua crença, e, para quê? Porventura para perseguir uma imagem do ideal de si próprio. 

Num dos episódios da série de televisão MadMen, Donald Drapper, o prestigiado agente publicitário, responde assim ao que é o amor “Se o amor significa o raio que atravessa o coração que não permite falar ou trabalhar e obriga a sair correndo para um casamento e para ter filhos, não o sinto, porque não existe. Porque o amor foi inventado por tipos como eu para vender meias de nylon”. Quão questionável são os valores que nos alimentaram desde sempre! Perseguir o amor é acompanhar a nossa equipa de futebol todos os jogos do campeonato, eis uma definição. Shakespeare que se acalme pois o mundo moderno trouxe evolução aos conceitos. O amor já não é sintoma de morte da mesma forma, o amor até é bom, e dizem-nos para amar tantas coisas. A liberdade sabe a um gole de Macallan, de preferência dos mais caros, para o gosto ficar bem apurado e jamais nos esquecermos desse sabor. 

Como alerta Steiner, amansar a humanidade é dos maiores feitos produzidos, não vale a pena pensar em demasia em cerimoniosos conceitos que, de tão grandes e maiores do que nós, desgastam-nos a vida inteira, basta sorrir para uma bela fotografia de uma praia e lutar para a poder um dia pisar com os nossos pés. Isso basta para responder a tudo o resto, afinal de contas não nos devemos mimar depois de cumprir objectivos?

 

Por: Dinis de Sousa Reis