Breves notas sobre a Pátria
JORGE ROQUE passa, quase (ainda existem alguns santuários) complemente despercebido no meio dos culturóides da nação. E percebe-se porque, o homem é um bombista e não um escritor. O recente livro PAÍS RATO rebenta com as letras, destrói a compreensão programada do leitor e torna-o coxo por ter sido apanhado por um obus que existia algures dentro de uma página qualquer do livro. Então, sobre os ditos: “vai ficar tudo bem”, “somos muito bons”, “Portugal é incrível”, “temos tudo cá”, “país de poetas”, “Sol e mar”, “somos felizes e contentes” “todos invejam a nossa simpatia”, “teremos sempre saudade” (mais esterco para aqui, mais esterno para ali)… aparece-nos este canalha a dizer exatamente o contrário e a desafiar essas nossas convicções assumidas?
PAÍS RATO é um livro do mal e JORGE ROQUE um Mefistófeles. Escondeu-se na pele de vate este assassino da ordem comum. Isto é dizer mal de princípio a fim, num pequeno shot livresco (52 páginas, 8 capítulos para os que adoram a matemática literária) servido de fúria, antipatia, desdém, ódio, nervo, nojo. E ainda por cima, acrescenta um leve toque de ironia grosseira, como quem goza do prazer de fazer mal. O leitor bebe tudo num trago e vai sentir-se nauseado, revoltado, insultado, perturbado, há relatos de indivíduos que ficaram com depressões profundas. Talvez ao leitor atento fique qualquer coisa com este livro, pelo menos a impressão de que a única saída alternativa num país como este é sermos “parvos por omissão”.
O que é afinal o PAÍS RATO? No primeiro texto o autor esclarece esse instinto latente que nos invade o sangue da vontade em roer tudo o que se possa encontrar. Daí o país ser armazém de ratos prontos para sugar as crenças e energias existentes, não havendo salvação “Quando por fim a velhice chega, e no corpo se acumulam cansaços, e no pensamento avultam as dúvidas, roubam-lhes até a única certeza que lhes poderia trazer alguma paz à morte que espreita: não serem ratos”. No país que sempre foi “uma mina onde a pobreza se explora e a utopia abriga a esperança da exploração não acabar”, as datas históricas foram apenas ligeiros apontamentos de calendário que nunca derrubaram o desejo intrínseco “para que tudo fique como está” de modo a preservar a normatividade absoluta dos poderes estabelecidos. Como solução, o Mefistófeles apresenta-nos uma nova data: “31 de Fevereiro”, data cómica, por indisponibilidade na sua realização que, ao mesmo tempo, traduz o espaço vazio que existe na auto-realização da nação “É só porque assim uma vida não tem eco, não tem grito, não tem ar. É só porque assim não chega a ser.” Então nesta “casa de amigos” a ambição regula as convicções, o ser não se realiza por medo, a saudade e o fado são vistos como representações positivas e “à falta de petróleo, gás, ferro, ouro, diamantes, temos este recurso que nos torna apetecíveis aos grandes consórcios de extracção: A NOSSA POBREZA CONFORMADA”. Os portugueses que escolham, ou pertencem “à elite abjecta dos espertos” ou á “legião impotente dos parvos”, a única porta alternativa será pertencer aos ditos “parvos por omissão”. Papalvos ou espertos olhamos fixamente para a beleza da calçada, que foi feita para nos manter fixos ao chão e não olharmos muito para o horizonte, isto porque, no entender deste poeta, podemos cair e arranjar lesões graves.
ALMADA NEGREIROS em 1917 escreveu ULTIMATUM FUTURISTA ÀS GERAÇÕES PORTUGUESAS DO SÉCULO XX, quiz acompanhar os seus professores futuristas (Marinetti e o seu manifesto futurista) para isso desgraçou Portugal num sem número de limitações (atavismo, atraso, saudosismo, servilismo, medo, ignorância…) e enalteceu o que seria preciso para alcançar grandeza. O último reduto para construir uma pátria forte (vá-se lá saber o que isso quer dizer) era a GUERRA, para com ela destruir os fracos e enaltecer os fortes. Ora, PAÍS RATO tem o mesmo tom provocatório e eloquente, como se, o seu autor estivesse num púlpito a pregar de forma efervescente e a gesticular cada palavra. Se o ULTIMATUM faz um claro apelo à GUERRA, PAÍS RATO também o faz mas por omissão. Todo o desespero de um povo em permanente condenação só pode guiar a uma luta, até porque, quando somos todos ratos não haverá muito a perder “Não estamos ainda fartos? Acreditamos que mude por si? Então porque não fazemos nada? É que a questão é muito simples, a vida que tivermos ou não é a que fizermos com os factos. E o facto é que não fazemos nada, em conformidade, é a vida que temos. Que fazer? Que pensar? Há quem sustente que é outra revolução que faz falta” Então a revolução que comece na literatura, que hajam mais coirões destes, com coragem para darem drogas fortes aos leitores e não alinharem na mesma construção colectiva de sempre do entretenimento barato, dum mundo colorido onde o sofrimento é apenas uma frase a estampar numa camisola. Inscrever o tempo na literatura enriquece o seu entendimento. E se esse tempo for duro tanto melhor para o bem da arte.
Por: Luiz Miguel Aragão