3
Definir é excluir. Os atributos de um objecto limitam-no. São como uma barreira
que o separa do mundo. Quando observas, restringes. Capturas alguém numa armadilha
mental.
Esticas o dedo indicador e o homem destaca-se:
- Óculos;
- Bigode;
- Fato-de-macaco;
- Corpo com um metro e setenta e sete centímetros de altura.
O transeunte olha-te, surpreendido, revelado. A alienação resulta da consciência
do que nos separa dos outros. Não tivesses identidade, não te sentirias só. Os seres
inanimados, apenas existem. Baixas o dedo indicador. O homem, sem atributos, dilui-se
na multidão.
Claro que a distância interfere com o acto de definir. Se te aproximas, conheces o
pormenor. Se te afastas, um plano geral oferece-se ao teu olhar. Uma selva de lanças e
patas de cavalo sobre um chão claro polvilhado de fragmentos de armas medievais.
Aproximas o olhar da Batalha de San Romano. Um rosto jovem avança, calmo. Dois
cavaleiros colidem e um levanta o machado enquanto o soldado no canto superior direito
mantém a besta ao ombro. A atenção salta de detalhe em detalhe até voltares ao caos da
batalha.
Manter a vigilância sobre tudo, sem perder a nitidez do mais ínfimo pormenor,
está, apenas, ao alcance do ser omnisciente conhecedor de todas as definições.
Por: Augusto Bessa