A indústria do pão por André Schiffrin
Se há coisa que aprecio mais do que livros é de pão. Se me oferecem metáforas com pão para entender o funcionamento do mercado dos livros eu entendo. Foi o que André Schiffrin fez no seu livro O NEGÓCIO DOS LIVROS - COMO OS GRANDES GRUPOS ECONÓMICOS DECIDEM O QUE LEMOS (se calhar foi pelo título longo que isto não vendeu). Que pena, este pequeno livro da LetraLivre ter saído em 2013 e não em 2023, já que, tal como as ervas daninhas saltam em terra fértil, também os temas sobre a depressão livreira hoje rejubilam (livros esses comprados por encomenda através das grandes companhias).
Então, segundo Schiffin, a partir de um inquérito realizado nos Estados Unidos da América percebeu-se que as grandes marcas nacionais de panificação vieram substituir as padarias de esquina que existiam na cidade. Para isso, o que essas malvadas faziam era vender o pão a preços mais baratos do que os praticados pelos pequenos padeiros. A esses pobres diabos ainda foram oferecidos melhores preços para darem maior visibilidade a esse pão industrial. Depois de um começo de parceria atraente vem a traição e o pequeno sai de mercado e fica a chuchar no dedo. Final da história, as grandes empresas permanecem, eliminam a concorrência e aumentam preços. O mercado flui e o consumidor contenta-se a comer o pãozinho de plástico que ficou mais caro sem saber porquê. Anos depois surgem novas padarias “gourmet” em que o pão é verdadeiramente especial e artesanal, só que, já não é para qualquer bolso. Este trágico desfecho é transposto para o mercado livreiro e, da mesmo forma que, sem nos aperceber comemos pão sem qualidade, estamos a ler livros com sabor a plástico (como quem diz a azedo, pois merda nunca comi).
O NEGÓCIO DOS LIVROS é um bom manual sobre o outro lado de um livro, dá-nos uma certa consciência sobre o rectângulo com folhas. Um livro que está exposto numa montra de uma grande livraria (não me pagam a publicidade, e eles nem precisam…) pode ser por um interesse perverso, ou o tema é actual e é atrativo, ou o autor é vendível pois é figura pública, ou a polémica já foi instalada, ou a moda o impôs, ou a televisão e jornais o aconselharam, ou… ou… os motivos são sempre satisfatórios para um consumidor que sem o saber é um fabrico dessa indústria (porquê pensaram num burro?). E nem se imagine a quantidade de pães que se produz por dia! Haja bocas para enfiar tanto pão.
Segundo Schiffrin quem nos produz o pãozinho trata-se de industriais mais ligados ao ramo da gestão do que ao da panificação, o que por si, revela a falta de investimento na qualidade do material que o freguês tem na montra, mas, sobretudo na arte de saber vender. Não importa se o sabor é bolorento ou se o consumidor fica enriquecido, interessa saber se o negócio incrementa. Atente-se por exemplo às Feiras dos Livros que, segundo os seus directores, aumentam lucros todos os anos (e em Portugal reparem bem, onde ninguém lê). É interessante ver a ginástica que os livros de grandes editoras fazem nas estantes das principais cadeias de vendas, a capa é sempre exposta, mais abaixo outras editoras, sem tanto potencial económico, relegadas para a sua simples lombada. Capa e lombada em luta numa grande livraria. Ora, o habitual comprador português de livros não tem tempo para se inclinar para as lombadas, tem de se decidir por uma capa naturalmente, até porque tem de se despachar pois a seguir ainda vai ter de ir comprar roupa. Portanto, a editora tem de se preocupar em ter boas ligações com as mercearias do pão, ter boas relações com os jornais e órgão de imprensa que falem de pão, e fazer uma boa capa - bons títulos, de preferência com palavrões ou palavras vãs como AMOR, PAIXÃO, CORAÇÃO e o car&%i&/o a 4…
“Estamos confrontados com uma situação clássica de oligopólio tendencialmente monopolista. As ligações dos grandes grupos económicos, através da concentração de propriedade, a outros meios de comunicação concedem-lhes vantagens incríveis na imprensa, na televisão, e na exposição mediática e publicitária em jornais. Empresas que são proprietárias de editoras e de revistas não hesitam em prestar uma atenção desproporcionada aos livros das editoras que controlam. São óbvias as mudanças necessárias para lidar com este tipo de poder. A solução mais eficaz para enfrentar a crescente monopolização está nas mãos do governo”
Os livreiros e editores transformaram-se em directores de marketing, que não fazem mais do que garantir um serviço lucrativo a uma empresa. O problema que Schiffrin levanta tem que ver com essa plastificação de um serviço de culto, de valor artístico, de conhecimento, reduzido a uma simples mistela de palha. Quantos bons escritores hão-de haver perdidos por essas lombadas prontos para serem descobertos por um leitor corajoso? Existe um grande dilema do ser-e-do-parecer e, quem gere estes negócios, por norma, parece alguém que muito lê e conhece do meio literário, mas talvez não o seja de facto. No dia em que estes directores de marketing perceberem que aqueles livros que lhes preenchem as estantes lá de casa também se podem ler, vão ficar em êxtase com tal descoberta.
Por: Luiz Miguel Aragão