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Alma do Diabo

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Bíquini, uma bomba atómica

02.09.23

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Foi em 1946 que a jovem Micheline Bernardini, ousou pousar em público pela primeira vez, vestida com um biquíni. Segundo Louis Réard, o arquitecto da criação, a presença deste leve tecido nas sedosas peles femininas causaria o “efeito de uma bomba atómica”. Este ímpio francês causou a sensação requerida e, depois dos esgares de nojo reprimido dos primeiros olhares, rápido se transformou num íman que agarrou todos os corpos femininos. Para isso, outra “bomba atómica”  usada foi o charme do cinema americano, através das suas divas como Ava Gardner e Brigitte Bardot, que normalizaram a aberração. Os mosaicos encontrados na Villa Romana Del Casale, onde se verificam gravuras das primeiras mulheres a aventurar o seu umbigo ao descoberto, serviram de mote para Louis Réard, mas o nome “biquíni” deriva de algo bem mais sinistro, o atol de Bikini.

O “efeito bomba atómica” deriva da Operação Crossroads - 2 testes nucleares realizados pelos exércitos americanos nas Ilhas Marshall. Sobre o epíteto do "maior teste nuclear alguma vez realizado”, os Estados Unidos da América quiseram revelar ao mundo as devastações e impacto de uma possível Guerra nuclear entre forças, além de, salvaguardar a primeira posição como potência mais capaz e evoluída militarmente. Parece que, os efeitos nefastos de Hiroshima e Nagasaki não foram suficientes para comprovar tudo isso, até porque, uma das bombas a explodir no pacífico era mil vezes mais potente do que as utilizadas na II Guerra. 

No documentário de 1988 de Robert Stone, “Radio Bikini” viajamos para a ilha que iria sofrer os putativos testes, aos nativos explicaram que, a experiência iria ser usada para preservar o bem e a paz mundial, dando graças aquela paradisíaca ilha como sendo uma região abençoada por tão prestigiada escolha. O bem, tal como Mefistófeles esconde-se nos detalhes. Aos militares americanos foi prometida a participação numa experiência monumental onde poderiam apreciar a espetacularidade da pirotecnia. O documentário oferece-nos um ângulo narrativo de John Smitherman, um militar  envolvido na operação, que relata a ignorância de todos sobre as consequências que se poderiam passar, era um teste, uma experiência, estas coisas são assim, o-vamos-ver-o-que-acontece-depois. “Eu não me lembro em todo o tempo que lá estive de usarem a palavra radioactividade. Essa palavra essa só utilizada entre oficiais, eu não era um oficial. Na verdade a tripulação nem sabia o que era radioactividade” partilha Smitherman, que, no fim do filme, descreve as dantescas consequências que o seu corpo acarretou dado à extrema exposição a que foi sujeito. Tanto os militares envolvidos como os nativos da ilha foram como um gelado que saciou a curiosidade científica e política nos anos seguintes. A ilha ainda hoje tem uma radioactividade profunda, tudo ainda está e irá estar por longos anos contaminado. O maior sonho dos antigos (e últimos) habitantes de Bikini, de regressar à sua casa, jamais será realizado. Tudo não passou de uma experiência, uma vez que não existia um inimigo, apenas uma ideia, que teria de ser materializada, para isso, hajam voluntários, ou melhor, cobaias, se forem ignorantes tanto melhor. A defesa do bem mundial tem um quê de perverso, convém primeiro, indagar sobre o que é o “bem” mas isso dá tanto trabalho.

É quase certa a inocência de Louis Réard ao desejar criar o “efeito bomba atómica” na sua criação estilística, o que é certo é que a moda pegou. Verdade seja dita, o efeito foi tão avassalador que os corpos ainda hoje vibram com a radioactividade.

 

Por Dinis de Sousa Reis