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Alma do Diabo

Alma do Diabo

Clarice Lispector . Felicidade

24.12.22

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“- O que é que se consegue quando se fica feliz?, a sua voz era uma seta clara e fina. A professora olhou para Joana.

- Repita a pergunta…?

Silêncio. A professora sorriu arrumando os livros.

- Pergunte de novo, Joana, eu é que não ouvi.

- Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois? - repetiu a menina com obstinação.

A mulher encarava-a surpresa.

- Que ideia! Acho que não sei o que você quer dizer, que ideia! Faça a mesma pergunta com outras palavras…

- Ser feliz é para se conseguir o quê?

A professora enrubesceu - nunca se conseguia dizer porque ela avermelhava. Notou toda a turma, mandou-a dispersar para o recreio.

O servente veio chamar a menina para o gabinete. A professora lá se achava:

- Sente-se… brincou muito?

- Um pouco…

- Que é que você vai ser quando for grande?

- Não sei.

- Bem. Olhe, eu tive também uma ideia - corou.

- Pegue num pedaço de papel, escreva essa pergunta que você me fez hoje e guarde-a durante muito tempo. Quando você for grande leia-a de novo - Olhou-a. - Quem sabe? Talvez um dia você mesma possa respondê-la de algum modo… - Perdeu o ar sério, corou. Ou talvez isso não tenha importância e pelo menos você se divertirá com…

- Não.

- Não o quê? - perguntou surpresa a professora.

- Não gosto de me divertir - disse Joana com orgulho. A professora ficou novamente rosada:

- Bem, vá brincar.

Quando Joana estava porta em dois pulos, a professora chamou-a de novo, dessa vez corada até ao pescoço, os olhos baixos remexendo papéis sobre a mesa:

- Você não achou esquisito… engraçado eu mandar você escrever a pergunta para guardar?

- Não, disse.

Voltou para o pátio.”

 

LISPECTOR, Clarice. Perto do coração selvagem. 1ª ed. Lisboa: Relógio D’ Água Editores, 2000.

 

Por: Celeste Sampaio

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