Clarice Lispector . Felicidade
“- O que é que se consegue quando se fica feliz?, a sua voz era uma seta clara e fina. A professora olhou para Joana.
- Repita a pergunta…?
Silêncio. A professora sorriu arrumando os livros.
- Pergunte de novo, Joana, eu é que não ouvi.
- Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois? - repetiu a menina com obstinação.
A mulher encarava-a surpresa.
- Que ideia! Acho que não sei o que você quer dizer, que ideia! Faça a mesma pergunta com outras palavras…
- Ser feliz é para se conseguir o quê?
A professora enrubesceu - nunca se conseguia dizer porque ela avermelhava. Notou toda a turma, mandou-a dispersar para o recreio.
O servente veio chamar a menina para o gabinete. A professora lá se achava:
- Sente-se… brincou muito?
- Um pouco…
- Que é que você vai ser quando for grande?
- Não sei.
- Bem. Olhe, eu tive também uma ideia - corou.
- Pegue num pedaço de papel, escreva essa pergunta que você me fez hoje e guarde-a durante muito tempo. Quando você for grande leia-a de novo - Olhou-a. - Quem sabe? Talvez um dia você mesma possa respondê-la de algum modo… - Perdeu o ar sério, corou. Ou talvez isso não tenha importância e pelo menos você se divertirá com…
- Não.
- Não o quê? - perguntou surpresa a professora.
- Não gosto de me divertir - disse Joana com orgulho. A professora ficou novamente rosada:
- Bem, vá brincar.
Quando Joana estava porta em dois pulos, a professora chamou-a de novo, dessa vez corada até ao pescoço, os olhos baixos remexendo papéis sobre a mesa:
- Você não achou esquisito… engraçado eu mandar você escrever a pergunta para guardar?
- Não, disse.
Voltou para o pátio.”
LISPECTOR, Clarice. Perto do coração selvagem. 1ª ed. Lisboa: Relógio D’ Água Editores, 2000.
Por: Celeste Sampaio