Gonçalo M Tavares . A bondade e a Técnica
“…Salvava os homens doentes que por si eram operados: o seu bisturi combatia a explosão e reinstalava a precisão e a ordem. Sentia-se digno porque a sua mão direita era, “em combate” (na operação) digna ela mesma. Mas a cada dia que passava os elogios e a admiração técnica que os doentes, os colegas médicos e o pessoal do hospital lhe dirigiam tornavam-se insuportáveis. Não o irritava ser considerado competente mas sim que essa competência fosse confundida com uma certa bondade, sentimento que desprezava em absoluto. E essa confusão - entre bondade e competência técnica - começava a corroer a barreira que Lenz havia construído entre a sua profissão e a sua vida particular na qual a dissolução de valores morais era nítida. O prazer que sentia em humilhar prostitutas, mulheres fracas ou adolescentes, pedintes que lhe batiam à porta ou a própria mulher, não podia ser mais antagónico com a aura que alguns familiares de doentes por si operados e salvos lhe colocavam em volta.
Foi por essa razão , nessa tarde, quando a mulher ingénua, ao agradecer o facto de ter operado com sucesso a mãe, lhe disse:
- Você é um homem bom! - ele sentiu necessidade de à frente do pessoal do hospital, responder, com rudeza:
- Desculpe, não sou nada disso, sou médico.”
TAVARES, Gonçalo M. Aprender a Rezar Na Era da Técnica, POSIÇÃO NO MUNDO DE LENZ BUCHMANN. 5ª ed. Lisboa: Editorial Caminho, 2007.
Por: Celeste Sampaio