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Alma do Diabo

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Marina Tsvetaeva - Depois da Rússia

29.07.23

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EURIDICE - PARA ORFEU

Para quem esgotou os últimos farrapos
Da carne (não há lábios nem faces!...)
Não será um abuso dos direitos
Orfeu descer ao Hades?
 
Para quem rejeitou os últimos elos
Terrestres... Quem no leito dos leitos
Recusa a mentira da contemplação
E olha para dentro - o encontro é faca.
 
Porque - todas as rosas do sangue
São a paga desta capa folgada
Da imortalidade...
                           Tu, que me amaste
Até ao nascer do Letes, dá-me a paz
 
Da memória apagada... porque nesta casa
Assombrada -o fantasma és tu, vivo,
E eu, morta, o real... Que mais te direi senão:
«Esquece e dá-me a paz!»
 
Não me darás vida! Não me seduzo!
Já não tenho mãos! Nem lábios para neles
Colares os lábios! A paixão da mulher acaba
Com a picada de víbora da imortalidade.
 
Porque está tudo pago - lembra-te dos meus gritos! -
Por esta derradeira vastidão.
Não vale a pena Orfeu descer a Eurídice
Nem irmãos inquietarem irmãs.
 
23 de Março de 1923
 
TSVETAEVA, Marina. Depois da Rússia, 1922-1925. Tradução: Nina Guerra e Filipe Guerra. Editora: Relógio D’Água.
Escolhido por: Augusto Bessa