O Amor ao que se pode consumir
À pergunta de Ramin Jahanbegloo sobre a troca do desígnio marxista para a promessa californiana, vivida na Europa de leste, Steiner respondeu assim: “A Humanidade já não imagina o que é a vida desprovida de um ideal trágico. O marxismo, como o judaísmo, em relação ao qual representa um heresia, e como a cristandade, deu-lhe a honra de sugerir que o homem poderia ser diferente, melhor. A Califórnia responde ao homem que seja tal como é, que se divirta com os vídeos, as piscinas, as palmeiras, os McDonald’s, o sol. Porque não aproveitar aquilo que se pode consumir?” Iluminados que fomos pela chama de Deus, durante séculos, preservámos a crença no transcendente como morada última da existência - promovida sob a forma de alma. As dores, as dúvidas e o trilho encontraram uma razão. As várias máscaras utilizadas pela fé encobriram uma remota possibilidade na consciência humana “E se…”, arrefecida esta febre a moral prevalecia e o bem encontrava um corpo. Mesmo na era medieval, apesar de a religião não permitir a candeia alumiar as trevas, era o conforto através da crença, o homem encontrava nela uma salvação. Ora, a religião não foi suficiente para a efervescência da razão e das dúvidas lançadas por batalhões de filósofos. A máquina, e a consequente revolução do trabalho, fez acreditar noutros percursos. Nem a ferrugem a suprimiu aos encanto da sua sugestão. O homem sempre soube seguir o rasto da sua crença, e, para quê? Porventura para perseguir uma imagem do ideal de si próprio.
Num dos episódios da série de televisão MadMen, Donald Drapper, o prestigiado agente publicitário, responde assim ao que é o amor “Se o amor significa o raio que atravessa o coração que não permite falar ou trabalhar e obriga a sair correndo para um casamento e para ter filhos, não o sinto, porque não existe. Porque o amor foi inventado por tipos como eu para vender meias de nylon”. Quão questionável são os valores que nos alimentaram desde sempre! Perseguir o amor é acompanhar a nossa equipa de futebol todos os jogos do campeonato, eis uma definição. Shakespeare que se acalme pois o mundo moderno trouxe evolução aos conceitos. O amor já não é sintoma de morte da mesma forma, o amor até é bom, e dizem-nos para amar tantas coisas. A liberdade sabe a um gole de Macallan, de preferência dos mais caros, para o gosto ficar bem apurado e jamais nos esquecermos desse sabor.
Como alerta Steiner, amansar a humanidade é dos maiores feitos produzidos, não vale a pena pensar em demasia em cerimoniosos conceitos que, de tão grandes e maiores do que nós, desgastam-nos a vida inteira, basta sorrir para uma bela fotografia de uma praia e lutar para a poder um dia pisar com os nossos pés. Isso basta para responder a tudo o resto, afinal de contas não nos devemos mimar depois de cumprir objectivos?
Por: Dinis de Sousa Reis