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Alma do Diabo

Alma do Diabo

Raul Brandão - A Vida e o Sonho

31.07.23

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A vida é dura, a vida não se fez para sonhar; para triunfar é necessário bater para os lados sem ver quem vem, agarrar-se a gente com sofreguidão, morder...

Ai dos vencidos! Pobres dos que hesitam um instante! Auxiliar alguém é perder tempo: prá frente! prá frente!... Fora o sonho! Para que é que em pequenos nos mentem e nos dizem que há amigos e afeições?... Entra a gente na vida com ilusões, que só se perdem com pedaços de alma, quando muito melhor seria dizer-nos que há unicamente o dinheiro. Dinheiro! - esta palavra faz vibrar os mais moles: gadanhos convulsos estendem-se ávidos, os olhares ferem como lâminas... Para que andamos a mentir uns aos outros, quando nos sentimos todos, aos trinta anos, capazes de sacrificar um irmão ao interesse?...

Veem um imaginativo que entra na vida? É um jovem inteligente, tendo sobre a existência ideias lidas. A sua sensibilidade exaspera-se ao primeiro contacto com o mundo. Cheio de entusiasmo, talha uma vida de romance. Em breve, porém, encontra tropeços: a cada passo a alma se lhe magoa e todas as brutalidades o ferem. É que ele não viu que, ao lado da vida sonhada, é preciso viver uma outra vida dura, de todos os dias. Repugna? É necessário, porém, a gente afazer-se, esmagar toda a piedade e afeição, para não ser despedaçado. Quantos chegam a velhos a tal ponto vivem na mentira, acreditando que amaram, que souberam dedicar-se e que na vida se pode ser bom? Se procurarem bem no fundo da alma, esmiuçado cada um desses sentimentos, encontra-se apenas o egoísmo descarnado e duro…

 
BRANDÃO, Raul. A Morte do Palhaço. Book Cover Editora.
Escolhido por: Augusto Bessa