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Alma do Diabo

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Silêncio, Teolinda Gersão

25.02.23

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Com base na sua página oficial, Teolinda Gersão já conta com 14 prémios literários distribuídos a 9 das suas obras, talvez seja mesmo a autora portuguesa mais premiada. Dito isto, podemos afirmar que estamos a falar da “Meryl Streep portuguesa” no que respeita a distinções literárias. Esbarramos facilmente em elogios à obra, dissertações fervorosas, qualidades ímpares de originalidade, voz feminina e poética, simplicidade oral… (bocejo) tudo bons argumentos de prateleira que decoram na perfeição qualquer contracapa que se preze. O que não encontrei foram verdadeiras críticas à obra desta professora catedrática. Vamos então fazer o nosso trabalho.

“você devia escrever um romance, disse ele batendo com a porta, porque chegava ao limite da capacidade de controlar-se, já viu que desperdício, toda essa imaginação gastando-se, nesta conversa, certamente interessante, em pura perda?” Foi assim a reacção de Afonso aos desabafos de Lídia, isto é uma perífrase criminosa, podia simplesmente dizer CÁLA-TE! Estava o assunto arrumado, Lídia podia ter ficado incomodada, mas passava-lhe. (Lá se teve de escrever esta história e destruir tantas árvores)

Esta suposta história de amor engloba Lídia que se envolve com Afonso, médico (facto irrelevante), que é casado com Alcina. Lavínia, mãe de Lídia, surge como mote às reminiscências da… rrrrrrrr… (desculpem adormeci, onde íamos?)

Para quem apreciar floricultura, descrições repetitivas, letras de Pedro Abrunhosa, diálogos pueris e uma história de amor de alguidar, este livro O SILÊNCIO, tem cá tudo. 

Para começar, não se consegue entender a fixação por jardins e flores, sempre presentes em qualquer ambiente, por vezes torna-se uma experiência exasperante:

ao lado há um tufo de glicínias… não, não as glicínias ficam do outro lado

há vasos de begónias, de hortenses (e aqui deixo um espaço preenchível com todas as outras flores) e tudo isso é o jardim”

“o jardim variava, vestia-se de azul e de encarnado…passava de repente  de canteiros de fúcsias para ramos sem folhas… colhendo fúcsias… aposto que há um ramo de fúcsias sobre a mesa… são sempre rosas, Lavínia não tolerava fúcsias. Rosas são as suas flores favoritas” (Que proeza esta, dizer fúcsias por três vezes em dois parágrafos seguidos, isto é elevar a literatura portuguesa meus caros…)

Lavínia não está, não chegou ainda, talvez tenha ido comprar” (O quê? Fúcsias!?) “… flores. Lavínia ia sempre comprar flores das que não havia no jardim”

Então Herberto fica no quarto maior, ao fundo do corredor, que dá para o jardim e tem debaixo da janela um canteiro de malmequeres”

Bom, fiquemos por aqui, ainda só vamos na página 15!!! Apesar de melhorar um pouco, este ímpeto jardinístico é uma constante em qualquer espaço que é descrito. Teolinda quis revestir a história de apetrechos pretensiosos: as mulheres fumam “longas boquilhas pretas”, os homens fumam “cachimbos”, enquanto isso ouvem Vivaldi, as casas tem cortinados “shantung” ou  são “verde-escuros com anémonas brancas estampadas”, os sofás são de “damasco” e as cadeiras de “Luis XV”, os tapetes, ora são de arraiolos, ora são persas, (nem um tapete de feira, que falta de gosto!), as mesas são de “arte-nova”, as empregadas vestem aventais “brancos de organdi plissado”. (parece que a Teolinda leu catálogos de cozinha no momento em que escreveu este trecho) Outro aspecto de recurso abusivo tem que ver com a descrição dos ambientes onde  o discurso flui sempre para a mesma linha de elementos orientadores - MAR, ÁGUA, VENTO, PRAIA, JARDIM, FLORES - existe uma amálgama de elementos triviais, que, por sua vez se repetem durante todo o livro, recursos fáceis que se constroem em qualquer curso de principiantes de literatura, ora vamos lá ver…

Palavras nos seus ouvidos, mas longe, como o” (será mar? Vento? Horizonte?) “…vento

“Andar pela casa, ouvindo o vento, os movimentos do” (Será soalho? pó?) “vento” (ah agora surpreendeu-me professora Teolinda)

O silêncio do mar, as dunas frias, a praia” (molhada? vazia? escura?) “…deserta

Para a “pluma caprichosa” “as palavras, belíssimas, não são esbanjadas. Uma prosa densa e leve, sem nada a mais e sem nada a menos, parada no ponto exato”, para mim é uma prosa que, por vezes é apenas ininteligível, outras oca, onde abunda a verborreia e não se chega a nenhum raciocínio assinalável.

“nada poderia garantir que estava certo, para lá dessa certeza de estar vivo, não havia indicação possível do mundo exterior, era como caminhar por um areal infindável, uma praia deserta e lisa, contando unicamente com o impulso do seu corpo andando

“Os sonhos aconteciam, pois, era apenas questão de empurrar com força, até o sonho cair dentro da vida. Agora movia-se num espaço livre e solto, num tempo de existir

Por vezes a professora Teolinda cai na crítica social fácil, apoia-se em Lídia e partilha frustrações como a das sociedades arrumadas, sem liberdade ao sonho e as críticas femininas sobre os comportamentos brutos e autoritários do homem, todas as premissas estão ausentes de uma conclusão interessante, circulam apenas na gritaria habitual dos temas sem sair do lugar-comum.

Em 1981 a nossa "Meryl Streep da literatura” iniciava assim a sua carreira recheada de tantas medalhas (ora que inveja a minha!). Acredito que as outras obras que se seguiram tenham sido bem melhores, (o rasgo criativo manteve-se virgem com este livro) o SILÊNCIO que nos fica após esta leitura é como quem diz “Vamos falar noutra coisa…” Não será seguramente com SILÊNCIOS que a literatura nacional se acrescenta.

 

Por: Luiz Miguel Aragão

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