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Alma do Diabo

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Televisão da política de alguidar

09.12.23

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No lodo político nacional, em mais uma das dezenas de crises a prazo - que há-de terminar no surgimento de um qualquer próximo governo - há espaço para o “prime-time” televisivo ser aberto a entrevistas aos candidatos a futuros órgãos executivos. Pelo ecrã surgem alegres e sempre confiantes os putativos deputados da nossa república. Os órgãos televisivos esfregam as mãos com tanta carne pronta a cozinhar perante o olhar esfomeado dos telespectadores. Prepara-se o decoro e estudam-se os problemas a serem respondidos, por quem, em boa verdade, terá legitimidade para os resolver. O espectador português relaxa os glúteos no sofá e estaciona a manta nas pernas, aumenta o volume e empolga-se com a esperança de perceber se, o galopar das rendas vai ter travão ou, pelo menos, o que aquele partido vai fazer por isso, é que o 6,9 é um número pesado…

“Se for preciso vai repetir a geringonça?”, pergunta a jornalista.

Questões importantes antes de uma eleição é certamente conhecer em pormenor medidas que nos poderão alterar a vida, pensa sempre o espectador… 

“Acordos com a extrema direita é possível, sim ou não?”, pergunta o jornalista.

Parece que em Portugal a população sem-abrigo aumentou 25%, alguns deles, dizem as fontes, trabalham. Agora sim, esta entrevista vai ser esclarecedora do que deve ser feito com urgência…

“Porquê é que não houve uma coligação entre os partidos, não ganhariam com isso?”, pergunta a jornalista.

O espectador português sabe que os acordos e objectivos também lhe fazem parte da vida, tudo tem objectivo, as questões miúdas vem sempre primeiro. Claro que vai ser atirada uma pergunta sobre que medidas este político experiente possui para amenizar os contratempos provocados pela inflação, os 5.4% já provocam muitas insónias…

“Acha que o Pedro é radical? E o José Luís é moderado?”, pergunta o jornalista.

Claro que as perguntas sobre a saúde não escapam, interessa a todos, hoje até é com este liberal, todos querem saber qual a solução alternativa para o SNS, se é que existe…

“A sondagem diz que vai ter uma quebra de resultados, se perder deputados o que vai fazer depois?”, pergunta a jornalista.

Vamos acreditar em quem? Estes jornalistas pertencem aos melhores órgãos de comunicação, se conduzem estas perguntas é porque são interessantes, mas agora sim, interessa entender a matriz ideológica deste estadista sobre questões mundiais, será que devemos continuar a investir na Ucrânia? E Israel, qual a posição?

“Não quer admitir se admite coligar-se com o André para ser Governo?”, pergunta a jornalista.

Eis que vai chegar o momento, o Srº Alfredo que vive no interior julga que existe salvação para atrair pessoas, aquele pequeno lugarejo terá uma salvação, o estimado governamental vai partilhar a ideia sobre isso…

“E se não vencer as eleições aceita um governo socialista?”, pergunta a jornalista.

Os artistas políticos apresentam-se ao povo pela aparência, o sorriso às rasteiras interrogativas, a gravata a simbolizar confiança, a aparência a condizer com a expectativa do eleitorado. Em meia hora de perguntas insípidas, aquilo que se denomina como entrevista não passa de mais um programa de comentário político, o estadista é obrigado a perguntas sobre as questões que fazem a audiência da cadeia televisiva. Nesse enquadramento, a suposta entrevista alimentará mais horas de debate televisivo, onde os outros intervenientes do canal se encherão de pormenores para eternizarem a especulação habitual. Os reais problemas do país talvez estejam longe dos que as televisões se esforçam por cultivar diariamente, no entanto, não será a realidade uma criação da televisão? Se assim for, que façam uso da patente, e continuem a morrer calmamente. Enquanto fiel escudeiro, assistirei sempre ao espectáculo e trarei sempre comigo a faca e o alguidar.

 

Por: Dinis de Sousa Reis